10 anos de idade, uma vida de trauma

A família é nosso porto seguro. É nela que teremos sempre o abrigo necessário, quando o mundo for cruel com a gente. É entre os nossos que nos tornamos fortes, nos revigoramos e encontramos coragem para enfrentar a bruta sociedade. Será que é sempre assim?
Por trás do sorriso amarelado da família do comercial de margarina pode estar o lado sombrio do ser humano. Aqueles que deveriam tutelar, muitas vezes, são os que colocam em risco,  os que atacam, os que transformam vidas felizes em números das mazelas sociais.
E o pior é que na maior parte das vezes, os despautérios cometidos dentro de casa ficam escondidos pelo medo, pela vergonha, pela sensação de que uma denúncia irá implodir o porto seguro. Mas que segurança é esta, que passa ares movediços de um solo que foge dos nossos pés, ao ponto que avança sobre nosso corpo, sufocando, sucumbindo e acabando com a esperança de uma vida melhor?
Foi na família,  que a menina de 10 anos do Espírito Santo viu o que há de pior no ser humano. O porto implodiu, como em Beirute, mas não sob o efeito de explosivos, o combustível foi a sordidez humana. A menina viu aqueles, que deveriam lhe dar afeto, tirarem sua infância e encravarem em sua vida a dor, o trauma e a cicatriz da maldade humana.
Dentro de casa, onde o perigo não chega, ela transformou-se em vítima, foi violentada, ultrajada, abusada da pior forma possível, se é que é possível medir o abuso. A menina viraria mãe, mas mãe de quem, se a vida não lhe ensinou a brincar de bonecas, a vida só lhe mostrou dor e ódio.
E nós, sociedade que finge viver no comercial de margarina, atacamos quem? A menina. O grande debate estabelecido foi aborto ou não aborto, quando o foco da questão é a fragilidade e a falência da tradicional família brasileira. 
Longe dos seus, por certo, esta menina terá dias melhores, mas como tatuagem, terá marcado em seu peito todo mal que o ser humano é capaz. E, enquanto a hipocrisia for imperiosa, outras meninas e meninos aguentarão, no silêncio do lar, a dor de serem naus atadas a portos seguros, que são mais inseguros que o mar revolto.

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