O cabelo de João

A polêmica da semana, no Brasil, foi o comentário do sertanejo Rodolfo sobre o que considerou semelhança entre uma peruca e o cabelo black power de seu colega de BBB, João. O país parou para falar sobre o cabelo. Parece um devaneio estético e superficial, mas é muito mais do que isto.
O apresentador Tiago Leifert conseguiu encontrar uma justificativa para o assunto ter tomado tamanha repercussão. Não se trata de um corte de cabelo, que é mudado a cada ida ao barbeiro - João, o dono do cabelo, pode até mudar o estilo, fazer outros penteados, alisar, enfim, deixar como quiser os fios que lhe cobrem a cabeça. O fato é que para ele, o black power, vigoroso, bem tratado e lindo, não é apenas um estilo; é um grito, um protesto, um símbolo de tudo o que os negros sofreram, do tempo em que foram proibidos de deixar seus cabelos como quisessem; de se sentar nos bancos que achassem melhor, na igreja; de entrar no mesmo baile que os brancos; de ter funções mais bem remuneradas; de ser protagonista na novela sem estar interpretando um escravo.
Quando Rodolfo zoa do cabelo do colega não lhe falta bondade no coração; falta tato, falta empatia, falta a capacidade de entender que aquilo pode magoar. Quando alguém me chama de baixinho, mesmo que eu possa não gostar do adjetivo incômodo, é uma realidade, mas posso subir em um degrau e alcançar o que preciso; quando alguém desmerece outra pessoa pelo fato de ser negra é diferente; não é verdade e não há a necessidade do banquinho. Ela é completa, com suas qualidades e seus defeitos, como todos. E, por pior que possa parecer, a todo o momento estas pessoas são colocadas à prova, como se tivessem que mostrar que são capazes, que são gente, que não mereceram o tratamento que tiveram por centenas de anos.
Me solidarizo com os negros; compro briga com quem tenta agredí-los de qualquer forma, mas nunca saberei o que é sentir na pele o olhar depreciativo apenas pela minha cor. Não consigo mensurar a dor, nem o sentimento; sei que me irrita demais ver um homem ser sufocado até a morte, nos EUA, ver outro apanhar até morrer em Porto Alegre; ver situações que ocorreram, porque são negros; me chateia alguém questionar o fato de existir negro bem sucedido, economicamente, como se isto fosse algo impossível, como se o negro não tivesse a capacidade de escalar a pirâmide social.
Enquanto não acabarmos com esta forma desumana de pensar, seguiremos nos achando os senhores da casa grande, mas continuaremos enclausurados pela nossa própria ignorância. 
Sobre o momento escolhido por João para mostrar sua indignação, pode ter sido tática de jogo, pode ter sido o grito de basta; seja lá o que for. Rodolfo, naquele momento, colheu o que plantou. A colheita nem sempre vem quando esperamos; existem uma série de fatores que podem definir este tempo. Mas ela sempre vem. 

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