Entre Elzas, Elises e Maysas

A segunda quinzena de janeiro é cruel. E não se trata somente da vivida em 2022, quando o calor e a estiagem atormentam o Sul do país, enquanto a chuva faz o Sudeste e o Nordeste ficarem inundados. É histórica a crueldade da segunda quinzena de janeiro, sobretudo, por sua capacidade de emudecer vozes femininas. Entre tantas outras que se calaram, Maysa morreu em acidente, dia 22, há 45 anos; Elis Regina, de forma prematura, deixou órfãos os fãs, em 19 de janeiro, há 40 anos; agora, o 20 de janeiro entra para a história, com a despedida de Elza Soares. 
A segunda quinzena de janeiro não é só cruel com mulheres. Ela é sarcasticamente atrevida e forte. Não calou quaisquer pessoas. Acabou com a aveludada voz de Maysa. Deprimida, é verdade, mas com histórico de coragem, de abandonar a poderosa família Matarazzo, que lhe queria como bela, recatada e do lar. Seu lar era o palco, sua beleza nunca faltou, e sobre ser recatada, bom, isso não lhe pertencia. Com os mais extrovertidos vícios, ela estava mais para maluca-beleza.
E deve se for falar na menina do IAPI, que levou sotaque gaúcho para o Centro do país e, depois, fez questão de dizer: não sou de Porto Alegre, sou brasileira. As frases atrevidas, o jeito maroto de ser e de cantar encantando, fizeram a pequena notável virar a Pimentinha. E ardia nos olhos daquele que lhe incomodasse. Miúda, explosiva, imprevisível. Assim era Elis.
Miúda, explosiva, imprevisível, sofrida. Assim era Elza Soares. Nascida na favela Moça Bonita, fez sua voz ser ouvida pelo mundo; foi considerada a cantora brasileira do milênio passado. Guerreira no palco, batalhadora na vida, corajosa em todos os sentidos. Teve oito filhos. Viu quatro morrerem. Com dificuldade de andar, fez de seu trabalho, a música, o motivo de viver e foi até os 91 anos.
A segunda quinzena de janeiro é cruel. Não gosta de vozes aveludadas, não gosta da acidez e nem de gente corajosa. Não gosta de ricas, que se atrevem a desafiar a sociedade; não gosta de menina da cidade, que se atreve a colocar nas letras musicais a verdade da vida e do coração; não gosta de quem coloca o negro em destaque como ninguém mais. A segunda quinzena de janeiro não gosta dos brasileiros, definitivamente, não. 
E entre Marias, Marias e Madalenas, a Pimentinha pediu uma Casa no Campo, esteve entre o Bêbado e o Equilibrista e, nesta grande Andança, reforço que ainda somos os mesmos e vivemos Como os Nossos Pais. Enquanto Maysa disse Meu Mundo Caiu, deu Bom Dia, Tristeza, com a certeza de que Eu Sei Que Vou Te Amar e, em uma Viagem, sem Resposta, interpretou a Canção do Amor Mais Triste. Com seu jeito único, Elza mostrou-se Dura na Queda ao pedir Libertação e apontar que A Coisa Tá Preta, mas Mulata Assanhada, caiu no papo do Malandro, na espera de Se A Caso Você Chegasse. Agora, não vê mais a Mulher do Fim do Mundo, porque o mundo é, neste momento, O Que Se Cala.

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