DANDO DE COMER AOS POMBOS

A tarde era fria, apesar do presente sol desde a manhã; o vento por vezes uivava, em uma típica cena de inverno. Eu estava, lá, sentado no banco da praça dando de corner aos pombos.
Nem sei se posso dar as migalhas para esses bichos; pensei que eles ficariam gordinhos e que pombo gordinho é um perigo, quando está voando. Mas também não importa. Não importa se é permitido, nem a eventual consequência dessa orgia gastronômica pombal. Me divertia e divertia a eles.
E enquanto dava da comer aos pombos via o mundo passar. Na esquina, a mãe carregava o filho com pressa, quase rebocava o guri, que estava mais preocupado em espantar meus pontos. Lentamente, no meio da praça,  um casal de velhos atravessava em minha direção. Penso que tirei o lugar deles ao alimentar os pombos. Ora, mas eu cheguei primeiro e, talvez, eles já tenham até dado muitas migalhas para os pombos e poucas para si. Já são velhinhos, pensei. Devem alimentar um ao outro com sua sabedoria e sua história, devem alimentar a faminta cabecinha das crianças com a extensa vivência.  Deixem meus pombos.
Um carro de som passa na rua próxima. O autofalante esganiçado e afugentador de pombos grita: "Mercado do Jair, agora, sob nova direção". Mas onde foi parar o Jair? Será que está na fila dos que querem dar migalhas aos pombos?
E, do nada, um pombo me olha nos olhos. Parece me conhecer, ler o que tinha em minh'alma. Será que pombo está jogando migalhas para meus pensamentos? Será que entende que estou aqui não só por caridade, mas pela necessidade estar com alguém, que seja um pombo faminto?
Não se trata de abandono ou solidão em demasia, é apenas um momento da presença de alguém que não avalia, não critica, não contesta, apenas aguarda, com ansiedade, a migalha. A migalha dada e a migalha recebida viram ouro.
A vida acontece, pessoas aparecem e somem, correm, todas têm algum lugar a chegar. Se arrasta pela calçada um homem; ele tem fome; como pode, onde tudo o que se planta dá faltar comida para este maltrapilho? 
A vida acontece, uns passam rindo e felizes; a viúva chora a partida do marido no cortejo; aparecem mais pombos, penso que falaram que alguém está distribuindo migalhas. Me senti importante. Num mundo em que poucos se olham de verdade, em que o egoísmo impera, virei uma pessoa relevante, virei o louco que fica no banco da praça, na fria tarde de sol, dando de comer aos pombos. 
No fim do dia, voarâo. Voltarão para suas casas, não sei onde, com a promessa de um reencontro entre os famintos e aquele que traz migalhas, as migalhas que alimentam os pombos da praça. 
Talvez, como notei todos os demais que por aqui passaram, tenha sido notado por alguém. Serei, aos olhos dos outros, o cara do banco da praça, que dá de comer aos pombos. Ou serei mais um pombo da vida, à espera de migalha que alguém tiver a oferecer no banco da praça. 

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