A VOLTA DO ZIRIGUIDUM

O ano é de retomada, de volta de grandes aglomerações, de festas, de fazer a economia girar a partir da geração de renda com essa modalidade de turismo. Sou suspeito para falar do mais tradicional evento brasileiro, o Carnaval. Não apenas a loucura imaginada por quem o condena, mas de um tempo de extravasar, de tirar o estresse e, claro, de incentivar o comércio, as costureiras, os artistas, os ambulantes, enfim, um grupo enorme de pessoas que dá cor, ritmo e vida para as avenidas do samba. Em outras épocas, Zé Keti cantava uma fase de maior permissividade. Virou marchinha: “Vou beijar-te, agora; não me leve a mal; hoje é Carnaval”. Certo que vem com um “habeas corpus preventivo”, mas ainda assim, é importante defender a ideia de que “Não é não”. Mais saidinhos ou contidos, o fato é que muitos vão pular para as ruas. E quem quiser fazer uma visita pode até viver a situação dos Demônios da Garoa: “O Arnesto nos convidô; pr’um samba; ele mora no Brás. Nós fumos e não encontremos ninguém”. E, no caso de não encontrar “arguém”, como cantariam os Demônios, não tem problema. Poucas companhias, mas de qualidade, são as ideais. “Quanta gente existe por aí, que fala tanto e não diz nada; ou quase nada”, disse Tom Jobim. O fato é que no Carnaval conta-se história. É vida que passa pelo samba, é cultura: “Quando a sanfona chora, mandacaru aflora, bate zabumba tocando no meu coração. Leopoldinense, cangaceira é minha escola. Eis o destino do valente Lampião”, levou para a Sapucaí a vitoriosa Imperatriz Leopoldinense. Assim, o samba brasileiro vai muito além dos artistas consagrados. Ele está nas ruas. “É quando o tempo sacode a cabeleira, a trança toda vermelha. Um olho cego vagueia procurando por um”, enaltece Alceu Valença balançando a sombrinha do frevo com os bonecos de Olinda. No outro lado do país, o Boi Garantido garante-se: “Eu sou brincante da floresta, eu sou. Eu sou nativo, sou Parintintin. Sou habitante dessa ilha, amor. Ser Garantido é o que me faz feliz”. Tem festa e opções para todos: dos mais certinhos aos que topam a malemolência. “Solteira, não. Alegre!”, canta a diva Ivete. E acrescenta: “Se tem birita, a gente bebe. Tô com as gostosas, só as gostosas; as experientes e perigosas”. Perigo é ouvir Léo Santana e aprender a dancinha. É chiclete. Casa com a mente e “Vem deslizando (vai); que eu tô gostando (vem); ela me pede (mais); não para não (meu bem)”, deixando a dica: “E vem sentando gostosinho pro pai; e vem jogando de ladinho, neném”. Zé Keti, Demônios da Garoa, Tom Jobim, Imperatriz Leopoldinense, Alceu Valença, Boi Garantido, Ivete Sangalo, Léo Santana e tantos outros garantem a manutenção dessa festa. Cada local com seu perfil, cada canto do país com seu modelo de Carnaval, mas todos, como Alcione, devem cantar: “Não deixe o samba morrer; não deixe o samba acabar. O morro foi feito de samba, de samba para a gente sambar”. Salve o ziriguidum. Pode ser na tela da tevê ou no meio do povo; pode ser marchinha, samba ou axé; e se achar que seu tempo passou, entregue o seu “anel de bamba a quem mereça usar”.

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